Lisboa era a capital do Império e o Chiado o centro dessa capital. De manhã e tarde, nas pastelarias do Chiado a Marques, a Benard e a Garrett e no Café da Brasileira, podiam ver-se muitos estrangeiros, damas e cavalheiros, refugiados da Guerra. Procuravam paz ou, daqui, um ponto de partida para recomeçarem novas vidas em horizontes menos sombrios. Havia outros que pela Guerra escutavam, ouviam e informavam, numa ou noutra direcção, quando não nas duas.Nos fins de tarde, a Baixa lisboeta era bela e cosmopolita. As senhoras e as meninas, impecavelmente vestidas e enchapeladas, subiam e desciam as asseadas ruas, contemplando as montras das lojas, onde sempre havia alguma coisa para vender. Os olhares mortiços dos galãs de turno, dissecados por Eça, quase cem anos antes, com os seus piropos brejeiros, de maior ou menor graça, não conseguiam dissipar a terrível tensão da Guerra. A Europa destruía-se em ódio e sangue.Na rua Ivens, em frente ao Grémio Literário, com a porta de ferro e um guarda-vento sempre fechado, ficava o restaurante-bar Ibéria. Era isso mesmo: um restaurante e bar ao mesmo tempo. Tinha uma cozinha espectacular, até 1974. Preparava opíparos almoços para banqueiros, políticos, industriais e comerciantes, todos de reconhecida notoriedade. Ao jantar vinham boémios, engatatões e senhoritas liberais, – delicadas damas, teúdas e manteúdas por ricos africanistas e alentejanos –, a procurarem na boémia, a mezinha para as mórbidas neurastenias.Em páginas de talento, ficou o Ibéria retratado no livro de Luís Stau-Monteiro "Angústia para o jantar ". O escritor deliciou-nos com a sátira do seu humor, resplendoroso e corrosivo, e um poder de sedução invulgar de cultura e génio.Paz à sua alma!O Ibéria era diariamente uma festa. As mesas a imitar távolas do século XVII, das estalagens francesas e das fondas espanholas, as pinturas de soturnos cavalheiros e vetustas damas, pingadas das paredes, lembravam Goya em dia de azia. A luz mortiça, coada pelas pequenas janelas, davam-lhe ambiente de casa mortuária. Tudo isto nada tinha a ver com o bulir das gentes que passavam na rua.Tinha o restaurante a forma de um rectângulo, um bar, escondido sob o arco abatido limitado por um balcão, feito de ripas sobrepostas. As mesas, paralelas às paredes e aparelhadas de cadeirões, tinham bancos e cadeiras forradas a couro.
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Bernardino Louro
Publicado por: Alberto David. Prof. na UATI
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Bernardino Louro
Publicado por: Alberto David. Prof. na UATI
1 comentário:
Caro Alberto David,
Chamo-me José Borges, sou estudante de arquitectura no Instituto Superior Técnico e estou a fazer a minha tese de mestrado sobre Eduardo Anahory, autor do Restaurante-Bar Ibéria.
A única informação que tenho é que este se situava na Rua Ivens e tinha uma pintura da autoria de Anahory que incluía a seguinte nota: "con permiso de Goya"!!
a descrição coicide com o seu texto.
gostaria de saber se tema mais alguma informação para além daquela que publicou e/ou alguma fotografia..
agradeço desde já a disponibilidade,
com os melhores cumprimentos,
J.Borges
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